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Ética no agressor


Como lidar com uma ética restaurativa na figura do agressor em casos de violência e abuso?


Estamos habituados a congelar e “condenar” a identidade do agressor a alguém sem recuperação que merece a maior das punições pois, sem dúvida alguma, somos capturados pelos efeitos da agressão na vítima e, dessa forma, tomamos partido, desmerecendo qualquer tentativa de recuperação de quem comete um ato de violência.


Alan Jenkins (2017), psicólogo adepto das práticas narrativas, tem revolucionado esse cenário quando propõe uma abordagem de intervenção terapêutica restaurativa para homens que abusam, recuperando neles uma ética possível ao se estabelecer a distinção entre a pessoa do agressor e o ato por ele cometido. Para que um homem cesse o comportamento abusivo e acolha modos mais respeitosos de se relacionar, é necessário entrar em contato com suas próprias considerações éticas, e não tentar se apropriar da ética de outra pessoa ou de um código moral externo. Ao se conectar com modos mais respeitosos de se relacionar e compreender mais profundamente a incoerência entre a sua ética pessoal e os seus atos violentos, o sujeito começa uma jornada em direção a tornar-se alguém mais digno, mais coerente e capaz de restaurar sua identidade, até então colada e associada apenas aos comportamentos violentos e abusivos .


Através das práticas de intervenção respeitosas podemos: acessar as bases éticas e interditar comportamentos abusivos, favorecendo novas formas de relacionamento; identificar práticas de poder no interior de famílias, comunidades e instituições que merecem ser revisitadas e promover a reparação dos danos causados pelos atos de violência com um projeto restaurativo, reivindicando um sentimento de integridade para a pessoa que foi abusada.


As práticas convidativas dão ênfase na jornada paralela para tornar-se ético do terapeuta. Quando utilizamos o termo tornar-se estamos diante de um estado transitório, flexível e fluido que nos direciona a certos modos de existência contrários à uma percepção de identidade estável e imutável. Dessa maneira, o determinismo sociocultural de descrição do masculino como agressivo, viril e abusivo perpetuou uma forma única de intervenção ao agressor reduzida à necessidade de ser oprimido e “corrigido” mediante punições. Essas práticas de colonização rotulam e determinam deficiências nos outros que devem ser controladas, coagidas e corrigidas. São medidas que restringem as possibilidades de um agressor poder ser alguém para além de seus atos abusivos.


O tornar-se ético evoca processos apreciativos de como desejamos viver, do que realmente nos importa e de que tipo de pessoa queremos nos tornar. Ou seja, modos de existência dignos e preferíveis. É uma jornada que exige encarar a vergonha que, inevitavelmente, acompanha qualquer ato reprovável. Encarar a vergonha não significa se paralisar na culpa do ato cometido, mas em escolher formas alternativas de se reposicionar que incluam integridade e promovam caminhos éticos.


Render-se em direção ao mundo do outro envolve um interesse ativo em entender, respeitar e apreciar as experiências dos outros. Apenas quando me “curvo” diante do outro na tentativa de compreendê-lo é que posso me aproximar de sua experiência e, assim, alcançar um nível de compreensão mais profundo. Portanto, essa proposta de intervenção nos convida a uma reflexão mais ousada e complexa sobre nós, indivíduos em sociedade. Deixamos de ocupar o lugar de terapeutas expertises, de quem corrige o outro, visto precedentemente como o único responsável, e nos convoca a uma co-responsabilidade que evoca uma revisão de nossos valores e propósitos na vida. Nesse sentido nos questionamos,


Como promover um foco de responsabilidade individual para aqueles que cometem abuso e violência, sem perder do vista que tais comportamentos são construídos culturalmente e fundamentados por práticas de poder que atendem aos interesses de uma classe dominante? Como caminhar de mãos dadas com o nosso cliente, de maneira a construir, juntos, uma coerência entre nossos princípios éticos e nossas condutas humanas?


Essas e inúmeras outras reflexões são propostas por Alan Jenkins em seu livro Violência e Abuso: um intervenção ética e restaurativa com homens que abusam, referendado em nossa seção de livros.




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